Passar o dia inteiro na praia com os pais era, para Serafina, um pesadelo. Podia trocar algumas mensagens com os amigos, ou ver as últimas novidades dos seus artistas favoritos no Tiqui-Toqui, mas os pais cruéis limitavam o tempo que ela podia estar ao telemóvel. Podia ler o livro que trouxera, mas ao fim de um pouco, também isso se tornava aborrecido. Não havia nada para fazer, e Serafina perguntava-se se seria possível, literalmente, morrer de tédio.
Deitada na areia Serafina viu ao longe uma gaivota que brincava com algo brilhante. Levantou-se e decidiu ir ver o que era sem dizer nada aos pais. Ao ver a menina aproximar-se, a gaivota assustou-se, pegou no objeto com o bico e afastou-se, pousando novamente na areia alguns metros mais longe. Serafina decidiu fazer disso uma brincadeira e foi atrás dela. A gaivota levantou voo novamente e aterrou novamente na areia alguns metros adiante. Assim continuaram, até chegarem ao fim do areal onde começava uma serra rochosa. Aí, a gaivota desistiu definitivamente da brincadeira, sacudiu as asas e voou até desaparecer de vista.
Serafina olhou em volta à procura de nova brincadeira, sem se preocupar em avisar os pais. Saltou por entre as rochas até que encontrou a entrada de uma gruta. Com a maré baixa era possível chegar até lá pisando os pequenos pedaços de areia entre as rochas que o mar revelara ao recuar.
A entrada da gruta era escura e Serafina não tinha vontade de lá entrar, até que viu algo dourado que brilhava lá dentro. Pensou logo que se tratava de algum tesouro de piratas ali esquecido há séculos, como acontecia em tantos livros de aventuras que lera. Que pena não ter consigo o telemóvel, um vídeo seu a descobrir um tesouro antigo seria por certo um sucesso no Tiqui-Toqui e ganharia milhares de seguidores.
Enquanto pensava no futuro sucesso que poderia ter tido, o brilho dourado desapareceu, certamente devido à posição do sol que o deixara de iluminar. Como o objeto não parecia estar muito longe e os seus olhos começavam a adaptar-se à escuridão, Serafina decidiu aventurar-se pela caverna.
Quando chegou ao local onde pensava que estaria o tesouro, ficou dececionada por encontrar apenas algumas conchas e algas. Olhou mais para dentro e, de novo, viu um brilho dourado que desapareceu rapidamente. Convenceu-se de que a primeira vez que o tinha visto tratara-se de uma ilusão de ótica e que, obviamente, o tesouro devia estar escondido num sítio mais profundo da caverna, caso contrário, já teria sido encontrado há muito tempo. Como a luz que entrava pela boca da caverna iluminava o espaço à sua frente, decidiu avançar.
Alcançou uma parede rochosa que não permitia seguir em frente, mas reparou que para cada um dos lados existia um caminho estreito. O da esquerda estava completamente às escuras. O da direita era também bastante escuro, mas mais à frente, a uma distância difícil de determinar, vislumbrava-se uma luz ténue. Para além disso, Serafina viu mais uma vez o estranho brilho dourado. Serafina calculou que o brilho devia chegar à entrada da gruta através de complexos reflexos de luz nas rochas húmidas. Sentiu-se confiante com o seu raciocínio e continuou pela direita.
Depois de avançar um ou dois minutos por um túnel estreito chegou a uma sala interior iluminada por pequenos buracos no teto que enviavam focos de luz até ao chão e lembravam as luzes que iluminam os artistas nos concertos. Com elas, Serafina pode admirar a beleza natural das estalactites e estalagmites que adornavam o espaço. Percebeu também que andavam por ali diversos animais que faziam pequenos ruídos nas pedras. Mas não viu nenhum tesouro escondido.
Já pensava em desistir quando se apercebeu de um buraco estreito do outro lado da sala. Era suficientemente largo para uma criança como ela, mas difícil de transpor para um adulto. Lembrou-se que tinha lido num livro de história que os piratas de séculos passados eram bastante pequenos, comparados com as pessoas da atualidade. Sendo assim, aquele buraco poderia ter sido considerado o local ideal para esconder um tesouro para esses piratas baixinhos. Era verdade que não via nenhum brilho dourado a sair de lá, mas isso poderia explicar-se pelos estranhos jogos que a luz gosta de jogar.
Atravessou a sala, ajoelhou-se diante do buraco e entrou por ele de gatas. À medida que ia avançando, o buraco parecia ficar mais estreito e pensou em voltar para trás, mas afastou a ideia corajosamente.
Continuou a avançar até que sentiu no chão algo duro e liso. Tinha uma textura estranha e não parecia ser uma rocha. Quando descobriu que se tratava de um osso assustou-se e largou-o rapidamente. Demorou alguns segundos para recuperar o fôlego e tentou afastar da cabeça a ideia de o osso ser parte de um esqueleto pirata. Disse para si mesma que o mais provável era tratar-se de um pequeno animal.
Gatinhou mais um pouco sem ver bem por onde ia até que apanhou com a cara uma enorme teia de aranha. Normalmente Serafina não tinha medo de pequenos insetos, mas naquelas circunstâncias o susto foi tão grande que se precipitou para a frente, as mãos resvalaram em pedras soltas e caiu num precipício.
Por instinto, conseguiu segurar-se a uma rocha com ambas as mãos e ficou pendurada com as pernas a baloiçar. Após alguns segundos, ouviu as pedras que se soltaram a caírem em água lá muito abaixo.
Serafina tentou içar-se, mas estava numa posição demasiado difícil para o conseguir. Ponderou deixar-se cair na água, mas o tempo que as pedras tinham demorado a chegar lá indicava que a altura era grande e, para além do mais, não sabia qual a profundidade da água ou se haveria alguma saída dali. Serafina ficou com medo e fez a única coisa que podia fazer naquela situação, gritou a pedir ajuda.
O grito ecoou pela gruta e dissipou-se no ar. Serafina estava a perder as forças e não conseguiria segurar-se por muito mais tempo.
“Dá-me a tua mão”, disse uma voz de criança.
Serafina olhou para cima e viu um menino deitado na plataforma acima dela a estender-lhe a mão. Sem hesitar, Serafina segurou a mão dele e, com a força de ambos, conseguiu subir.
Rastejaram de volta para a sala iluminada e foi aí que Serafina viu brilhar no peito do rapaz uma pequena medalha de ouro pendurada num fio.
O menino chamava-se Joaquim e explicou a Serafina que estava a explorara a gruta quando viu alguém entrar. Como não devia estar ali e nem sequer tinha avisado os pais, tentou esconder-se para não ser castigado. Quando Serafina foi atrás dele, escondeu-se naquela sala atrás de uma das grandes rochas. Estava quase a ir-se embora quando percebeu que Serafina tinha caído e quando ouviu o pedido de ajuda dela, gatinhou pelo buraco para ajudá-la.
“É melhor sairmos daqui antes que a maré encha”, disse Serafina.
No regresso, Serafina e Joaquim brincaram juntos como amigos de longa data. Afinal Serafina sempre encontrara um tesouro naquela caverna, embora não tivesse nada a ver com piratas.
Quando finalmente chegou junto dos pais, Serafina preferiu manter para si mesma a aventura que vivera e debatia na sua cabeça qual seria a melhor desculpa para explicar a ausência prolongada. Mas, para sua surpresa, os pais nem pareciam ter dado conta de que ela desaparecera. A mãe levantou a cabeça do livro e disse que ia dar um mergulho. O pai despertou da sesta e perguntou se ela queria ir comer um gelado. Inacreditável.
Serafina foi comer um gelado com o pai.
댓글