A Mariana e o Carlos ficaram muito contentes quando a mãe lhes disse que iam passar uma semana de férias a casa dos avós no Alentejo. Gostavam muito de visitar a casinha caiada de branco com riscas azuis à volta da porta e das janelas, onde o avô brincalhão os divertia com inúmeros jogos e brincadeiras e a avó os alimentava de magníficas histórias contadas de memória ou lidas de livros antigos que guardava com cuidado num armário da sala.
Ficaram ainda mais contentes quando os pais lhes disseram que, desta vez, iriam ficar lá sozinhos porque já tinham idade de se portar bem. A Mariana, com onze anos e o Carlos, com nove, sentiram-se muito crescidos.
No Sábado seguinte partiram de manhã cedo para evitar o calor de Agosto, levando consigo apenas as roupas necessárias para a semana, duas bicicletas bem presas ao carro e as duas consolas de jogos de que nunca se separavam. Nesse dia, quando chegaram à aldeia onde os avós viviam, não tiveram oportunidade de fazer muita coisa. Os pais obrigaram-nos a visitar familiares e amigos com quem falavam sobre coisas aborrecidas durante muito tempo. Mariana e Carlos sabiam, no entanto, que este era um pequeno preço a pagar por uma semana de liberdade. Ainda assim, a pena parecia eterna e insuportável.
No dia seguinte despediram-se dos pais e, apesar do contentamento de estarem finalmente sozinhos com os avós, sentiram alguma saudade ao ver o carro desaparecer ao fundo da rua.
O avô chamou-os para dentro e os irmãos começaram logo a imaginar que brincadeira estaria à sua espera desta vez.
- Meninos, tenho uma coisa muito importante para vos dizer - disse o avô com um ar sério, pouco habitual para ele. - Vocês acreditam em fantasmas?
Mariana e Carlos olharam um para o outro, a princípio desconfiados, mas depois soltaram uma gargalhada conjunta.
- Claro que não avô, - disse Mariana.
- Isso é coisa de filmes, - acrescentou Carlos.
- Pois é, também eu pensava assim, - disse o avô – mas agora a nossa aldeia está infestada de fantasmas. Felizmente não fazem mal a ninguém, são apenas fantasmas brincalhões que gostam de pregar partidas.
Os irmãos riram novamente. O avô era demais, sempre pronto a diverti-los.
- Que tipo de partidas pregam esses fantasmas? - Perguntou Mariana.
- No outro dia, quando cheguei à oficina, as minhas ferramentas tinham desaparecido todas.
O avô já não trabalhava, mas mantinha uma pequena oficina na aldeia onde reparava todo o tipo de coisas como passatempo.
- Pensei que tinha sido roubado, mas quem é que levaria as minhas velhas ferramentas sem valor? No dia seguinte encontrei-as dentro de um caixote à porta da oficina. É esse o tipo de brincadeira que os fantasmas gostam, tiram coisas dos sítios, põe-nas noutro, fazem aparecer coisas em sítios invulgares. Enfim, brincadeiras inofensivas. Quase toda a gente na aldeia foi vítima de uma.
- Então, se perguntarmos à avó se é verdade, ela vai confirmar a sua história? - Perguntou Carlos com desconfiança.
- Estou a ver que não acreditam em mim e percebo porquê, mas não faz mal, só queria avisá-los porque se vos acontecer alguma coisa, já sabem do que se trata.
Mariana e Carlos continuavam a não acreditar na história do avô, mas era verdade que nunca o tinham ouvido falar com tanta seriedade. Como estavam à espera que ele revelasse que estava só a brincar, ficaram surpreendidos quando, em vez disso, ele disse:
- Tenho de ir tratar de uns assuntos na aldeia. A vossa avó está em casa de uma amiga, por isso sugiro que vão dar uma volta de bicicleta e voltem à hora do almoço. Depois, à tarde, jogamos às charadas. Que tal?
Uma das coisas que Mariana e Carlos mais gostavam quando estavam na aldeia dos avós, era a liberdade de ir para qualquer lado sem a vigilância dos adultos. Pegaram nas bicicletas e percorreram as ruas da aldeia a grande velocidade em direção ao rio. Sabiam exatamente para onde queriam ir, o seu sítio favorito à beira-rio onde podiam encontrar vários animais e refrescar-se na água. Naquela parte, o rio tinha um pequeno caudal em que a água, mesmo nas partes mais fundas, apenas lhes chegava a meio das pernas. Era difícil acreditar que aquele era o mesmo rio que desembocava na cidade onde viviam, pois aí tinha quilómetros de largura e a profundidade do mar.
Deixaram as bicicletas à beira da estrada e desceram pela escassa vegetação. Foram seguindo o rio brincando com pedras lisas, canas soltas, galhos velhos e tudo mais que iam encontrando. Viram um velho sapo, gordo e verde, que tentaram agarrar sem sucesso.
Quando olharam para os relógios já era tarde e decidiram regressar. Tinham-se afastado um pouco, mas facilmente encontraram o sítio onde tinham deixado as bicicletas. Só havia um problema, as bicicletas tinham desaparecido.
- Tenho certeza de que foi aqui que as deixámos, - disse Mariana convictamente.
- Sim, também eu, - anuiu Carlos.
- Fomos roubados!
- Ou então foram os fantasmas, - disse Carlos, meio a sério, meio a brincar.
- Não sejas palerma, fantasmas não existem, - disse a irmã dando-lhe uma pequena palmada no braço.
Começaram a caminhar em direção à aldeia e uns metros mais adiante, para sua surpresa e alegria, encontraram as bicicletas. As bicicletas não tinham qualquer estrago, mas os quatro pneus tinham sido esvaziados e as tampas dos pipos haviam desaparecido. Resignados, os dois irmãos começaram a empurrar as bicicletas pela estrada.
Pouco tempo depois, apareceu a camioneta do avô. Que sorte, pensaram, pelo menos teriam boleia até casa.
- Que vos aconteceu? - Perguntou o avô. Depois de ouvir a história, disse: - eu bem vos avisei, isto é obra dos fantasmas. Mas não se preocupem, acho que tenho por aqui, no meio das minhas ferramentas, uma bomba de ar e umas tampas extra. Pneus furados é pão nosso de cada dia nestas estradas de terra mal-amanhadas.
Tinha de facto uma bomba de ar e umas tampas que, por coincidência, serviam tão bem que pareciam as originais.
Chegaram a casa e devoraram as ervilhas com ovos escalfados que a avó tinha preparado para o almoço. Ficaram tão entretidos a planear o resto da tarde que nem se lembraram de perguntar à avó se a história dos fantasmas era verdadeira. Depois do almoço a avó voltou a sair e eles brincaram às charadas com o avô como tinha sido prometido.
- Agora está na hora da minha sesta, - disse o avô depois de algum tempo. - Se quiserem podem ver os desenhos animados na televisão.
Uma das novidades na casa, desde o Verão anterior em que lá tinham estado, era que a avó tinha instalado uma ligação à internet e subscrito um serviço de streaming e, por isso, não teriam dificuldade em encontrar algo que lhes interessasse.
O avô já devia estar a ressonar no quarto e o episódio da série que tinham escolhido já ia a meio quando, de repente, a televisão desligou. Sem perceber o que tinha acontecido, os irmãos voltaram a ligar a televisão e continuaram a ver o programa. Segundos depois, todas as luzes e equipamentos se desligaram. Sem saber o que fazer, os irmãos esperaram um pouco, na esperança de que se tratasse de um corte de eletricidade curto. A sua paciência foi recompensada pois pouco tempo depois a eletricidade foi reposta e os equipamentos voltaram todos a funcionar. Cinco minutos depois, mesmo no momento em que estava a ser revelada a solução do mistério do episódio que estavam a ver, a luz voltou a falhar.
- Devem ser os fantasmas, - disse Carlos.
- Ou isso ou um péssimo serviço de eletricidade, - retorquiu a irmã.
Cansados de serem interrompidos, decidiram ir buscar as consolas de jogo ao quarto. No corredor, ouviram o ressonar quase irreal do avô. Procuraram por todo o lado, mas não encontraram as consolas. Chateados, voltaram para a sala, com Carlos cada vez mais convencido de que tudo era, efetivamente, obra de fantasmas.
- Já te disse para não seres palerma, - avisou Mariana.
Mal se sentaram no sofá, a eletricidade regressou e não voltou a falhar.
Quando o avô acordou e lhes perguntou se tinha corrido tudo bem, acharam que não valia a pena contar-lhe o que tinha sucedido para não ouvir mais histórias de fantasmas.
Bem-disposto, o avô convidou os netos para irem comer um gelado ao café do seu amigo Armando. Sentaram-se na esplanada à sombra de um chapéu de sol. O calor era abrasador e a perspetiva de comer um gelado equivalia a de encontrar um oásis no meio do deserto. O avô ofereceu-se para ir buscar os gelados, uma bola de chocolate para a Mariana e uma de pistácio para o Carlos.
Enquanto lambiam os gelados, o avô contou-lhes como, na semana anterior, os fantasmas tinham feito desaparecer todas as chaves da aldeia durante várias horas. As portas abertas não puderam ser trancadas, os cofres fechados não puderam ser abertos e, o que mais agradara ao avô, ninguém pode utilizar os carros, camionetas e motas. Deu uma gargalhada profunda que quase lhe fez sair gelado pelo nariz.
Nesse momento, Carlos parou de lamber e olhou atentamente para o gelado.
- Está qualquer coisa estranha no meio do meu gelado... - Com o dedo descobriu um pequeno objeto negro. - É uma lagarta! - Disse, saltando da cadeira e deixando cair o gelado na mesa.
Mariana olhou para o seu gelado com uma cara enjoada, antecipando a surpresa, e, tal como o irmão, encontrou lá dentro uma lagarta grande e peluda, saltou da cadeira e deixou cair o gelado em cima da mesa.
- Esperem, esperem! - Disse o avô olhando cuidadosamente para os estranhos objetos cobertos de gelado. Pegou num deles, observando-o como um cientista e concluiu:
- Não são verdadeiras. São lagartas de plástico. Isto só pode ser mais uma brincadeira dos fantasmas. Mas não se preocupem que eu compro-vos outro gelado e, desta vez, verifico primeiro que não têm nada lá dentro.
Os fantasmas não voltaram a fazer das suas até à hora de jantar e o assunto parecia já estar esquecido quando Carlos, entre duas colheres de sopa de pão, perguntou:
- Avó, é verdade que a aldeia está assombrada por fantasmas brincalhões como diz o avô?
A avó pareceu surpreendida pela pergunta e olhou de forma curiosa para o avô. Depois, virou-se para as crianças e disse:
- Não se fala de outra coisa na aldeia! - E levantou-se para começar a arrumar a cozinha. Todos eles se levantaram e juntos trataram rapidamente da tarefa.
Depois de jantar sentaram-se na sala e viram um filme até serem horas de ir para a cama.
- Vão vestir os pijamas e lavar os dentes e eu já lá vou para vos ler uma história, - disse a avó.
- Lavem bem os dentes antes de ir para a cama! - Insistiu o avô.
Os irmãos foram para o quarto e, para sua surpresa, encontraram as consolas de jogo em cima das camas. Com a animação da tarde já se tinham esquecido delas e agora apareciam misteriosamente.
- Agora estou convencido, - disse Carlos - são mesmo fantasmas.
Mas Mariana já não tinha idade para se deixar enganar. Pensou um pouco, deu uma volta ao quarto e, de repente, disse:
- Já percebi! Depressa, segue-me para apanharmos os fantasmas.
Saiu do quarto a correr em bicos de pés para não fazer barulho e Carlos, apesar de não compreender bem o que se passava, imitou-a.
Aproximaram-se da porta da casa de banho sem fazer qualquer ruído. Mariana agarrou a maçaneta, girou-a com cuidado e, de rompão, abriu a porta gritando:
- Ah, ah! Apanhado!
Debruçado sobre as suas escovas de dentes, a espremer um limão sobre elas, estava o avô.
- Oh não, apanhaste-me mesmo em flagrante, - disse o avô com um grande sorriso. - Como é que adivinhaste?
- Pensei um pouco e achei que era demasiada coincidência que sempre que os fantasmas nos pregavam partidas era em atividades que o avô tinha sugerido. Foi o avô que nos disse para irmos andar de bicicleta e decerto que adivinhou que iríamos para o nosso sítio favorito à beira-rio.
- Foi o avô que mudou as bicicletas de lugar e esvaziou os pneus! - Disse Carlos, finalmente compreendendo o que se passava.
- Sim, fui eu. Estava escondido atrás do grande canavial e esperei que vocês começassem a andar para casa. Depois apareci para vos ajudar.
- Depois foi o avô que nos disse para irmos ver televisão, - continuou Mariana. - Fingiu que estava a dormir e, talvez com um comando, desligou a televisão. Não sei é como fez para desligar a eletricidade.
- Instalei um interruptor no meu quarto que desliga todas as luzes da casa. Dá jeito para desligar tudo à noite sem ter de me levantar da cama.
- E aposto que foi o avô que nos tirou as consolas, - acusou Carlos.
O avô acenou que sim com a cabeça.
- Depois os gelados, - disse Mariana. - Estava tudo combinado com o seu amigo Armando, não estava?
Mais uma vez o avô acenou que sim.
- Agora percebo por que insistiu tanto para lavarmos bem os dentes, - concluiu Carlos. - Queria que provássemos o limão.
- Vocês são demasiado espertos para mim, - disse ele com um sorriso.
Nesse momento, apareceu a avó, com um livro na mão, e disse:
- Este velho não tem juízo!
E todos riram à gargalhada.
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