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Foto do escritorRodrigo Gouveia

Uma história de frutas japonesas

Atualizado: 13 de abr. de 2020



Numa casa japonesa, num mundo muito semelhante ao nosso, coisas estranhas estão prestes a acontecer.

Bananas estão reunidas num canto de uma fruteira, que se encontra em cima da mesa da cozinha, e parecem estar a conspirar.

Do outro lado da cozinha, numa fruteira mais pequena colocada ao lado do frigorífico, as maçãs parecem preocupadas.

As maçãs são as guardiãs da grande laranja mágica. Como guerreiras samurai, o seu dever é guardar a laranja com a própria vida e, por isso, estão preocupadas porque sabem que as bananas, como ninjas, são astutas e imprevisíveis.

No campo das bananas discute-se sobre a melhor estratégia. Sabem bem que um assalto frontal está fora de questão, pois as maçãs são mais poderosas nesse cenário.

Uma delas tem uma ideia brilhante. Começar um ataque frontal, para atrair as maçãs para fora da fruteira e, nesse momento, catapultar algumas cascas de forma a que as maçãs escorreguem e percam o controle. Como a sugestão envolve a utilização das suas armas mais sorrateiras – as cascas – que tantas vezes tiveram bons resultados, sobretudo contra humanos que, distraídos, as pisam e vão a voar de pernas para um lado e braços para outro até aterrarem com o traseiro no chão, todas as outras bananas concordaram.

Decidiram lançar o ataque de imediato porque lhes parecia ser um plano infalível.

Algumas voluntárias descascaram-se e ofereceram o seu maior tesouro em prol do bem comum.

Saíram com cuidado da fruteira, desceram da mesa até ao chão e, com gritos corajosos, lançaram-se contra as maçãs.

Ao ver aquela confusão desordenada, a chefe das maçãs sorriu. Sabia que em campo aberto as bananas não teriam quaisquer hipóteses de êxito. Com ordem e disciplina, as maçãs samurai desceram da sua fruteira e começaram a rolar em direção ao inimigo.

A surpresa foi grande quando viram chover diante de si as maléficas e manhosas cascas. A primeira fila de maçãs, apanhada de surpresa, não teve tempo de reagir e várias delas escorregaram na substância viscosa, partindo desnorteadas para todos os lados, batendo em paredes e eletrodomésticos, ficando com mossas terríveis. Mas, por acaso, uma delas escorregou e foi embater desenfreadamente contra uma das bananas agressoras, esmigalhando-a de imediato.

A comandante das maçãs, astuta como um pêssego, aproveitou de imediato a oportunidade que a sorte lhe providenciou. Ordenou às suas tropas que usassem as cascas das bananas como rampas de lançamento e rapidamente as bananas foram postas em fuga, mas não sem que algumas delas tenham ficado esborrachadas no meio do chão da cozinha.

Pode dizer-se que as bananas ficaram, no mínimo, abananadas com a experiência, mas não desistiram.


De novo reunidas, voltaram a discutir possíveis estratégias, mas desta vez foram mais prudentes e discutiram também os possíveis resultados negativos de cada sugestão.

Por fim, decidiram empregar uma velha tática de guerra que consiste em criar uma diversão à frente para atacar por trás.

É claro, a diversão não pode ser uma coisa tão evidente que o inimigo desconfie logo do que se trata e fique desconfiado e alerta contra outras possíveis manobras.

Por isso, a sugestão de se fazer uma dança da banana em frente das maçãs foi logo posta de lado, bem como a sugestão de gritar palavrões às maçãs.

Em vez disso, as bananas decidiram fingir que estavam a construir uma arma secreta diante da base das maçãs, para que estas prestassem atenção ao que faziam e não se preocupassem com o que lhes poderia acontecer pela retaguarda.

As bananas montaram um estaleiro de obras diretamente apontado ao quartel-general das maçãs e cobriram-no com panos que encontraram nos armários da cozinha para que não se visse o que ali estavam a fazer. Fingiram trabalhar debaixo daquele falso aparato, fazendo sons de martelos a martelar, de serras a serrar e de chaves-de-fenda a aparafusar – este último foi, como se pode imaginar, muito difícil de fazer.

A armadilha parecia estar a resultar. As maçãs começaram a ficar agitadas. Rebolavam de um lado para o outro, saltavam para fora da fruteira, espreitavam, discutiam.

Em face desta aparente desorientação das maçãs, as bananas ficaram convencidas que o seu plano estava a dar frutos. Por isso, decidiram ativar a segunda fase. Um grupo das mais destemidas juntou-se e voluntariou-se para executar o assalto pela retaguarda.

Silenciosas e matreiras, como só as bananas ninja conseguem ser, aproximaram-se sem serem vistas, ouvidas ou cheiradas da fruteira que continha as maçãs.

Esqueceram-se, no entanto, de um pormenor importante. É impossível saber qual é a parte da frente ou a parte de trás de uma maçã. As maçãs têm várias cores, riscas, manchas, pintas, mas nenhum desses sinais indica qual é a frente.

Ora, as maçãs samurai, com muita experiência de guerra, não descuidaram a retaguarda e embora parecessem estar todas distraídas a ver o que faziam as bananas, deixaram um pequeno grupo delas virado para trás, encarregue de manter a segurança dessa parte.

Por isso, quando viram as bananas aproximarem-se, tiveram tempo suficiente para dar o alerta e, com a força dos números, repeliram o ataque sem sofrer quaisquer perdas.

As bananas vencidas regressaram para junto das outras, algumas com graves mossas, e uma delas tão esmigalhada que só já servia para fazer puré.

Seria de pensar que com estas derrotas as bananas ganhassem juízo e regressassem à sua vida pacífica em cima da mesa da cozinha. Mas não. A perspetiva de conquistar a laranja mágica era tão apetecível que as bananas nem pensaram duas vezes antes de recomeçar a planear.

Foi então que uma delas se lembrou que numa das gavetas do armário da cozinha existia uma arma poderosa, capaz de desequilibrar a balança em favor das frutas amarelas: um cortador de maçãs. Um instrumento tão poderoso que, de um só golpe, consegue dividir uma maçã em oito fatias iguais, separadas do caroço. Se conseguissem apoderar-se de tal equipamento, mesmo num ataque frontal teriam vantagem.

Rapidamente foi despachada uma força de operações especiais com três das mais corajosas e audazes bananas, incumbidas de encontrar e trazer de volta à base o cortador.

Não foi fácil, demorou algum tempo e uma das bananas cortou o seu pedúnculo numa das lâminas afiadas, mas finalmente conseguiram transportar a arma não muito secreta até ao quartel.

Ao ver o cortador na posse das bananas, as maçãs começaram a recear o que poderia vir dali e até teriam começado a suar se tal lhes fosse possível.

As bananas decidiram acabar de vez com a brincadeira. Era a hora do tudo ou nada. Lançariam um ataque total e ou venceriam ou pereceriam. Já nada lhes importava a não ser a conquista da laranja mágica.

Juntaram-se todas e gritaram bem alto o grito de guerra secreto das bananas que, por ser secreto, não pode ser revelado aqui.

De cortador em riste e com a coragem na polpa, este era o exército de bananas ninja mais formidável que alguma vez foi visto.

As maçãs estavam preocupadas, mas não se pense que tinham medo. Defender a laranja mágica era o seu destino e estavam dispostas a perder a vida para o cumprir. A chefe das maçãs rodopiou umas quantas vezes, ora para a direita ora para a esquerda, numa coreografia fácil de perceber para qualquer maçã, num apelo emotivo à bravura e resistência das frutas arredondadas.

Estava preparado o cenário para a mais épica batalha da história da fruta quando, de repente, alguém entrou na cozinha.

Era um menino que não devia ter mais de dez anos e que parecia estar à procura de algo.

Como se sabe, na presença de um ser humano, a fruta fica paralisada, incapaz de se mexer. Foi isso que aconteceu às bananas e maçãs, estendidas no meio do chão da cozinha, prestes a chocarem e com um cortador entre elas.

O menino olhou para aquilo, achou a cena engraçada e pensou que era parte de alguma brincadeira do irmão mais novo.

Como era seu hábito, ignorou a desarrumação e decidiu deixar tudo tal e qual se encontrava. Olhou em volta e viu aquilo que procurava. Pegou na grande laranja que estava em cima da fruteira e descascou-a violentamente, atirando as cascas para dentro do caixote do lixo, para grande horror e tortura das bananas e maçãs que assistiam ao espetáculo sem que nada pudessem fazer.

O menino olhou para a laranja por um segundo, abriu-a com as mãos e devorou-a, dois gomos de cada vez.

E para as bananas e maçãs, no final, foi tudo em vão.


1 de abril, 2020

Rodrigo Gouveia


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