A Josefina e o Mário eram duas crianças especiais. Todas as crianças são especiais, dirão alguns adultos, sobretudo para os seus pais. Mas Josefina e Mário eram especiais de uma forma que mais nenhuma criança no mundo o era: eles tinham sido escolhidos para enfrentar o dragão sonolento.
Dizia a lenda que todos os cem anos um poderoso dragão acordava do seu sono centenário e durante a noite mais longa do ano percorria as aldeias comendo todos os animais que encontrava. Ao nascer do Sol, voltava para o seu esconderijo misterioso e dormia outros cem anos.
De acordo com uma antiga profecia, dez anos antes do dragão acordar, nasceriam dois gémeos, um menino e uma menina, no dia mais longo do ano, com o desenho de um diamante na testa, que eram os únicos capazes de deter o dragão monstruoso.
Todos os cem anos, dois gémeos com as características descritas pela profecia haviam sido identificados, mas até agora nenhum desses pares tinha sucedido na sua missão e o dragão continuava vivo, fazendo as suas maldades há mais de quatro mil anos.
Por essa razão, apesar de se sentirem orgulhosos por terem sido escolhidos, Josefina e Mário sentiam também algum receio. Desde muito novos que tinham sido treinados em várias formas de combate e no manejo de várias armas. Também tinham estudado vários mitos e histórias antigas que ensinavam as melhores maneiras de derrotar dragões. Eram fortes, inteligentes, corajosos e confiantes, mas tinham de admitir que não seria uma tarefa fácil.
Ao longo desses milhares de anos, as pessoas já tinham tentado outras formas de combater o dragão, mas nenhuma delas tinha sucedido. Em primeiro lugar, porque nunca ninguém tinha encontrado o lugar onde o dragão dormia. Era como se o sítio pertencesse a um mundo diferente ou como se, por magia, desaparecesse da face da terra durante o período de descanso. Em segundo lugar, porque nessas noites terríveis em que o dragão sonolento saía à procura das suas vítimas, ele era invencível. Já tinha derrotado exércitos inteiros e parecia imune a qualquer tipo de arma.
Mais uma vez, a lenda parecia ser verdadeira quando dizia que o dragão sonolento só poderia ser encontrado pelos gémeos, poucas horas antes do pôr-do-sol, e só podia ser derrotado no momento em que estivesse a acordar.
Havia uma pista sobre como derrotar o dragão, escrita num antigo bloco de pedra, que dizia enigmaticamente: “Os gémeos que conjurarem o poder do Deus dos Deuses, no momento certo, serão vitoriosos”. Existiam muitas interpretações sobre o significado da frase, mas nenhuma dessas teorias tinha funcionado no passado.
Quando finalmente chegou o dia mais curto do ano, que seria seguido pela noite mais longa em que o dragão sairia do seu covil e começaria a caçar os animais, Josefina e Mário levantaram-se antes do nascer do sol e começaram a preparar a sua aventura.
A primeira coisa que tinham de fazer era encontrar o esconderijo secreto do monstro. Partiram para leste onde se elevavam as montanhas cinzentas. Parecia-lhes que esse seria um sítio lógico para encontrar um dragão. Quando lá chegassem, logo veriam o que fazer.
A viagem decorreu sem história porque naquelas planícies reinava a paz, que só era ameaçada pela criatura que estava prestes a acordar.
Começaram a subir a Muralha, a mais alta das montanhas cinzentas, até chegarem a um pequeno planalto, já perto do topo, onde decidiram descansar. Josefina olhou para o Sol, que lhe batia nos olhos, indicando que o fim do dia se aproximava. Tinham de se despachar. Começaram a arrumar as coisas e a recolher o pouco lixo que fizeram, quando uma voz soou dentro das suas cabeças.
- Sejam bem-vindos!
Os gémeos entreolharam-se surpreendidos.
- Eu consigo falar através de telepatia. - Esclareceu a voz.
- És tu o dragão sonolento? - Perguntou Josefina.
- Onde estás? - Inquiriu Mário.
- Sim, sou eu - confirmou o dragão -, mas não precisam de ter medo. Por enquanto... - acrescentou com uma risada sonora.
- Onde estás? - insistiu Mário, pegando na sua espada longa.
- Estou a ver que és destemido. Anda, vem ter comigo se tens coragem.
- Já estás acordado? - Perguntou Josefina.
- Ainda não. Quando o Sol se começa a deitar a minha mente desperta, mas o meu corpo só acorda mais tarde.
- Onde estás? - Perguntou Mário pela terceira vez, com um tom autoritário.
- Estás a ver a parede de pedra com a letra “x” desenhada? É a entrada da minha caverna. Basta partir essa parede, que é muito fininha, e encontrar-me-ão.
Os gémeos olharam um para o outro e decidiram fazer aquilo que a voz lhes dizia. Mário, com a sua espada, e Josefina, com as suas matracas, deitaram facilmente abaixo a leve camada de rocha que tapava a entrada do covil. Lá de dentro veio o cheiro nauseabundo a bafo de dragão que dorme há cem anos.
Com as suas lanternas a iluminar o caminho, os gémeos entraram pela caverna escura e não demorou até se depararem com uma visão impressionante.
A caverna abria-se numa sala enorme, tão grande quanto a própria montanha e, no centro, estava um gigantesco dragão a dormir.
O dragão, de pele negra como a noite, era maior do que uma casa. A cabeça era do tamanho de uma pessoa, a pele estava coberta de escamas duras como aço, as asas, mesmo dobradas, eram do tamanho das de um avião, das patas saíam garras negras e afiadas, e a cauda, enrolada à volta do corpo com a de um gato, parecia o tronco de uma árvore.
- Aproximem-se, jovens aventureiros. Não tenham medo, que eu ainda estou meio a dormir. - Disse o dragão por telepatia.
Os irmãos avançaram cuidadosamente, de armas em riste, para não caírem em nenhuma armadilha. Chegaram-se tão perto do dragão que o podiam tocar.
- Tentem matar-me, vá! - Ordenou o dragão. - Não foi isso que vieram cá fazer?
Os gémeos, mais uma vez, olharam um para o outro com ar desconfiado pois isto parecia-lhes fácil demais. Mas, encolheram os ombros, como quem diz que é melhor aproveitar, e começaram o ataque.
Usaram todas as armas que tinham. Espetaram o dragão com espadas, bateram-lhe com mocas e até fizeram explodir bombas dentro das suas orelhas, mas nada teve o efeito desejado. As espadas, facas e outros objetos cortantes ainda entravam um pouco na pele do dragão sonolento, mas assim que saíam a ferida fechava imediatamente. As mocas, paus, matracas e outros objetos contundentes acabavam por se partir na pele dura como um tanque de guerra. As bombas, foguetes e outros objetos explosivos eram como pequenas picadas de mosquito que deixavam marca, mas não faziam danos.
- Ah, ah, ah, ah. - Riu ruidosamente o dragão quando os gémeos esgotaram as armas e tiveram de descansar para recuperar o fôlego.
Ao longe ouviu-se o som de um trovão.
- Como podem ver, qualquer esforço é escusado. Nada me pode derrotar. Ouviram o trovão? Vem aí a tempestade que simboliza o meu despertar. Todos os cem anos é assim e vocês não podem fazer nada para o impedir. Quando a trovoada estiver por cima da caverna eu vou-me erguer e voar à procura de alimento. E sabem qual vai ser o aperitivo? Vocês!
Ouviu-se outro trovão, desta vez mais perto. A tempestade avançava rapidamente e os gémeos tinham de encontrar uma solução depressa. Recuaram para um canto da caverna e comunicaram através de linguagem gestual, que tinham aprendido desde muito novos, para que o dragão não pudesse perceber o que diziam. Discutiram várias hipóteses, mas chegaram sempre à conclusão de que não resultariam.
Outro trovão ribombou. Com ele o teto da caverna desmoronou e através da abertura que ficou podiam ver-se as nuvens escuras da tempestade que enegreciam a pouca luz de sol que ainda havia. O dia estava a chegar ao fim e parecia não haver esperança.
De repente, Josefina teve uma ideia e gesticulou rapidamente para o irmão. Mário percebeu logo a ideia da irmã e levantou o polegar em concordância.
Entretanto, já se viam os relâmpagos por cima da caverna e o som do trovão chegavam quase ao mesmo tempo que a luz deles. O dragão abriu os olhos lentamente. As suas asas tremeram ligeiramente e começaram a esticar. Os músculos ficaram ainda mais duros e a cauda começou a abanar. Estava quase.
Os gémeos prepararam-se. Josefina escalou uma das paredes da caverna enquanto Mário se instalou em cima da cabeça do dragão. As nuvens ficaram ainda mais escuras e começou a chover torrencialmente. Josefina olhava para o céu atentamente e contava.
- Agora! - Gritou Josefina.
No espaço de apenas um segundo, o dragão acordou, levantou-se apoiando-se nas patas traseiras, ergueu as patas dianteiras mostrando as garras, rugiu ferozmente abrindo a enorme boca repleta de dentes bicudos e ergueu a cabeça para o céu. Nesse momento, Mário espetou a sua espada longa no centro da cabeça do dragão, saltou para onde estava a irmã, que o agarrou, e um relâmpago certeiro atingiu o punho da arma descarregando toda a sua energia no corpo do dragão que, sem um único som, caiu como uma rocha, fulminado.
Durante alguns segundos os gémeos não se mexeram nem falaram. Queriam ter certeza de que o dragão sonolento agora dormia para sempre. Quando se convenceram de que era seguro, desceram e abraçaram-se, contentes por estarem vivos e terem vencido o mais terrível dragão de todos os tempos.
Correram para a aldeia para contar a boa nova. Quando lhes perguntaram como tinham conseguido derrotar o dragão, Josefina explicou que se tinha lembrado que o poder do Deus do Deuses só podia ser controlar as tempestades e os relâmpagos. Mário, por seu turno, tinha sugerido utilizar a espada de metal para conduzir a eletricidade em direção à cabeça do monstro. Josefina contou então os segundos que separavam os relâmpagos dos trovões para calcular o momento certo em que um raio desceria sobre a montanha. E resultou.
Foi assim que se cumpriu a profecia e terminou a história do dragão sonolento.
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