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Foto do escritorRodrigo Gouveia

Uma História de um Rei Desastrado

Num país que fica para lá das montanhas com neve, existe um Rei que é muito desastrado. É tão desastrado que um dia, depois de tomar banho, pensou que era uma águia e começou a abanar a toalha como se fossem asas, derrubando a coroa que tinha colocado descuidadamente em cima do autoclismo, que caiu direitinha dentro da sanita. Como teve vergonha de chamar alguém para o ajudar, teve de tirá-la com as próprias mãos, lavá-la e desinfetá-la com todo o álcool que encontrou na casa-de-banho. Agora, cada vez que põe a coroa na cabeça, até se arrepia ao lembrar-se do incidente.

O Rei é assim tão desastrado porque está sempre a criar histórias na cabeça que depois quer viver como se fossem reais.

Um dia, o Rei recebeu uma carta de um Presidente de um país vizinho que queria ir visitá-lo. Era importante recebê-lo bem para manter a amizade entre os dois povos.

Começaram logo os preparativos para uma grande festa e o Rei, que sonhava ser um cozinheiro famoso, disse que se encarregaria pessoalmente da comida.

Quando ouviu isto, a cozinheira-chefe até sentiu o pelo das sobrancelhas a saltar e os ossos a arrepiar. Lembrou-se da última vez que o Rei tinha tentado cozinhar. Fez um bolo de chocolate e esqueceu-se dele no forno porque viu uma borboleta pela janela e imediatamente saiu para o jardim para ir fazer de conta que voava como uma delas. Como resultado, deitou fogo à cozinha e, se não fosse a cozinheira, teria ardido o castelo inteiro.

Como não podia recusar o pedido do Rei, a única coisa que a cozinheira-chefe podia fazer era mantê-lo debaixo de olho para evitar desastres.

Chegou o dia da festa e, logo pela manhã, o Rei foi para a cozinha para começar a preparar a comida. A cozinheira ainda tentou fazê-lo mudar de ideias, dizendo que não era uma tarefa que ficasse bem a um Rei fazer. Mas o Rei nem queria ouvir. Gostava muito de cozinhar e seria ele a preparar o banquete.

A cozinheira vigiou-o atentamente, para se certificar que o Rei seguia as receitas e não se esquecia de nada. Algumas vezes teve de intervir para que o Rei não se distraísse com outras coisas.

Correu tudo bem. Apesar de ter ficado com os nervos em franja, a cozinheira conseguiu que tudo fosse feito como deveria.

O Presidente estrangeiro estava quase a chegar e o Rei tinha de ir recebê-lo ao aeroporto. A comida estava toda pronta e o perigo tinha passado.

A cozinheira sentiu-se muito cansada e decidiu dormir uma pequena sesta. Decidiu dormir mesmo ali na cozinha para se certificar que ninguém mexia na comida.

Quando acordou estava quase na hora de servir o almoço e, de repente, lembrou-se que nem tinha provado a comida para ver se estava bem temperada.

Provou a sopa e teve de a cuspir imediatamente. Que horror! A sopa estava doce como o mel. Provou a carne e a sua cara ficou vermelha como a luz de um semáforo. Estava picante! Provou a mousse de chocolate e quase chorou porque estava salgada e sabia a limão!

Como era possível? O que teria acontecido? Não podia ter sido enquanto dormia a sesta e ela tinha visto tudo o que o Rei tinha feito.

Virou-se para um dos ajudantes e perguntou-lhe:

- Sabes se entrou alguém na cozinha?

- Que eu tenha visto, não – respondeu-lhe o jovem.

- E ontem, depois de eu ter saído, veio cá alguém? – inquiriu a cozinheira.

- Só o Rei. Disse que vinha fazer umas experiências.

A cozinheira quase desmaiou quando percebeu o que se tinha passado. O Rei às vezes tinha a mania que era um grande feiticeiro e ia para a cozinha fazer poções, acabando por misturar vários ingredientes e deixando tudo nos sítios errados.


A chefe foi verificar e, de facto, estava tudo misturado. O açúcar com o sal, os pimentos doces com os picantes, o pó de alho com a pimenta, uma confusão total.

E agora já não havia tempo para retificar a situação porque da sala já o Rei pedia que fosse servido o almoço.

“A culpa é dele”, pensou a cozinheira, “eu bem gostava de o ajudar, mas agora não há nada a fazer”.

O almoço foi servido.

O Rei, quando provou a sopa, apercebeu-se logo do que tinha feito, mas não disse nada porque teve vergonha de admitir a sua tolice.

A Rainha também viu logo que aquilo só podia ser o resultado de mais uma patetice do Rei, mas não disse nada para não embaraçar o marido.

Os convidados acharam a comida desagradável, mas não disseram nada para não humilhar o Rei diante de um Presidente estrangeiro.

O Presidente, por seu lado, comeu, sorriu e também não disse nada.

Terminada a refeição, prosseguiu a festa e no final do dia o Presidente regressou ao seu país sem que nada mais fosse dito sobre a comida.

O Rei respirou de alívio pois parecia que, no fim, tudo tinha corrido bem.

Quando o Presidente chegou a casa, a mulher, que não tinha podido ir por estar doente, perguntou-lhe como tinha corrido a visita.

- Correu tudo muito bem. São pessoas muito simpáticas e amigáveis. Penso que vamos ser amigos durante muitos e longos anos. A única coisa estranha é a comida deles. Em todos os países que já visitei, nunca provei nada tão... diferente. Mas é muito bom!

E foi assim que o Presidente estrangeiro e o Rei desastrado se tornaram grandes amigos.

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